Belize Pombal, de ‘Justiça 2’: ‘O racismo está na estrutura do Brasil’

Belize Pombal sofreu muito com Geíza, sua personagem em Justiça 2, a série antológica do Globoplay que chega ao streaming dia 11 de abril. É que para a atriz de 38 anos, a trama da manicure que mata um rapaz branco para salvar a vida da filha reflete muito do que ocorre na realidade no Brasil. “Eu sou uma mulher negra retinta e me dói muito estas histórias todas. A gente sabe que as coisas acontecem de forma diferente dependendo da cor da sua pele, gênero, condição sócioeconômica”, pontua. “É muito doloroso perceber que não é ficção”, aponta a atriz.

Geíza faz de tudo para que a filha, Sandra (Gi Fernandes), tenha uma vida melhor. Ao ver a menina em perigo, assassina Renato (Filipe Bragança). Mas o que poderia ser um atenuante, no caso dela não é depois que o pai do rapaz, Abílio (Danton Mello), pede ajuda ao chefe, um político corrupto, para ver a mulher que matou seu filho condenada.

Belize se identificou com a luta da mãe solo Geíza, que pela educação quer um futuro melhor para Sandra. “Pensei em todas as mulheres com quem já convivi que são mães solo, na minha própria avó, que era uma mulher que batalhou muito para que as filhas tivessem acesso à educação formal”, conta.

TEATRO NA USP
Paulista da capital, Belize se interessou pela interpretação ainda criança e aos 11 anos foi fazer aulas de teatro, que continuaram ao longo da adolescência. Mas ela não vislumbrava a carreira de atriz como um caminho profissional. “Era uma vontade de alma, mas eu não conseguia racionalizar isso. Naquela época, era menor o número de artistas negros alcançando êxito, sendo vistos e tendo oportunidades”, lembra. “Isso dificultava a percepção de que [ser atriz] era uma realidade possível”, explica.

Em casa, sua família também não acredita que ser atriz fosse uma opção de vida para Belize, que se inspirava em atrizes como Zezé Motta, Laura Cardoso, Fernanda Montenegro, e, adulta, passou a admirar nomes como Viola Davis e Meryl Streep. “A primeira vez que eu falei que queria essa profissão tinha 14 anos, bem jovenzinha. E a ideia foi repudiada imediatamente como em muitas famílias”, diz. Aos 20 anos, ela fez vestibular para Escola de Arte Dramática da USP. “Não contei para ninguém, depois que fui aprovada e vi meu nome na lista dos aprovados é que falei”, lembra.

Ao longo do curso, Belize se juntou ao grupo Os Crespos, uma companhia de atores negros que, entre outras atividades, fazia intervenções públicas. Foram anos dedicada ao teatro até os primeiros trabalhos no audiovisual, com Confissões Médicas (2018) e Irmãos Freitas (2019). “Só com Sessão de Terapia (2019) comecei a ver as reverberações do meu trabalho”, diz a atriz, que trabalhou em restaurante, com vendas e eventos até conseguir se sustentar com a profissão.

“Este é um trabalho que exige muito e eu amo fazer. Entendo que é um ofício que tem importância na sociedade, no amadurecimento de todos. Há muita gente envolvida para que um projeto artístico se concretize, uma dedicação imensa dos inúmeros profissionais”, afirma. “E para a gente que trabalha com isso é o que de fato pode nos sustentar”, diz.

CANADÁ
Belize chegou à Justiça quando morava no Canadá, onde foi estudar em um intercâmbio e acabou ficando devido a um relacionamento amoroso, passando por lá a pandemia. De Montreal, fez um espetáculo online, Fulaninha e Menininha, e foi convidada para a série do Globoplay. Dela veio Renascer – a atriz viveu Quitéria, mãe de Maria Santa (Duda Santos), na primeira fase da novela.

Ela é fã de Justiça e apesar de se revoltar com as histórias, acredita que ela apresenta uma realidade pouco mostrada. “A gente faz conexões com emoções e sentimentos difíceis de encarar. Mas é bom falarmos sobre questões que em 2024 não deveriam mais existir, como o racial atrelado ao social”, aponta. “Apesar de saber que é doído olhar para isso, sobretudo para nós, pessoas negras, é fundamental ver o quanto a questão racial interfere nas formas como as relações e a justiça acontece”, pondera.

Belize já foi vítima de racismo. “Sou uma negra retinta. A relação com a nossa sociedade vem, desde que eu era muito pequena, ligada a questões muito duras”, diz. “O fato de ter sido uma criança negra, de ser uma mulher negra traz um nível de entendimento da complexidade do pais. O racismo faz parte da formação do Brasil. Já fui seguida [por segurança] em loja de 1,99 e quando criança sofri em situações muito duras. Alguns grupos privilegiados, por mais que se conte, não acessam essa vivência”, diz.

Com a experiência de ter morado no exterior, ela diz que o racismo é menor em outros países. “Existe, mas não tem comparação. No Canadá eu não carregava o peso do racismo todos os dias, o tempo inteiro. A questão racial não estava à frente. Aqui é sempre e faz parte da construção da nossa sociedade. O Brasil foi construído com base na escravidão de negros e na submissão de povos indígenas”, lembra.

Mas Belize, após a temporada fora, vê mudanças, como o engajamento na internet contra o racismo e outros tipos de preconceito. Ela também acredita que Justiça pode, sim, levar a uma reflexão. “A TV tem muita força na nossa cultura, no país. Este trabalho, assim como outros, pode sim movimentar nossa sociedade, como já aconteceu com outros projetos”, diz. Existe a possibilidade de [uma produção do audiovisual] nutrir movimentos para que a gente melhore coletivamente”, avalia.

“Amei fazer Justiça 2, apesar da dor da personagem. Como artista, estou vivendo o deleite da profissão. É um momento de realização como profissional”, diz Belize, que solteira e sem filhos pensou até em fazer carreira no Canadá, mas, no momento está aberta a outras oportunidades no Brasil. “Foi muito bom voltar”, diz.

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